Depoimento de autores
Minha primeira vez na Jornada foi também a minha primeira vez em Passo Fundo. Foi em 1993, vim para falar sobre as relações entre cinema e literatura e pude perceber uma grande vontade coletiva de discutir a cultura brasileira e de crescer junto com ela. Nesses 18 anos a Jornada só cresceu, se consolidou e colocou Passo Fundo, que já era e continua sendo terra de gente boa, no circuito dos grande eventos culturais do país.
Giba Assis Brasil
Por duas vezes tive o privilégio de participar das Jornadas Literárias de Passo Fundo: a primeira, em 1993, numa mesa com o escritor português José Cardoso Pires e com a minha colega Maria Luiza Ritzel Remédios; a segunda, em 2005, quando fui membro do júri que atribuiu o 4º Prémio Passo Fundo Zaffari & Bourbon de Literatura ao romance Budapeste, de Chico Buarque. De ambas as vezes ficou-me uma impressão fortíssima: nunca vi nada assim. Explico-me: o número e a juventude dos participantes, a hospitalidade e o profissionalismo da organização, o calor humano, com toque gaúcho, que me envolveu, são inesquecíveis. Tudo isso e a literatura como centro do universo. Das Jornadas Literárias de Passo Fundo posso dizer: nelas a leitura é festa, o leitor é rei e, o que não é coisa pouca, os jovens são cativados para o mundo dos livros. Com trinta anos de idade, as Jornadas Literárias de Passo Fundo devem-nos, pelo menos, outros trinta anos de celebração da literatura.
Carlos Reis
Estive pela primeira vez na Jornada Literária de Passo Fundo em 1993, quando fui receber o prêmio pelo 3º. Concurso de Contos Josué Guimarães. A entrega do troféu foi realizada, ao fim da tarde, num auditório gigantesco, inteiramente lotado. Embora fosse um dia muito frio, com as pessoas usando agasalhos pesados, o clima no local era caloroso: com o público aplaudindo entusiasticamente os oradores. Todos eles. Até mesmo os tediosos e os pedantes.
A tremenda surpresa que tive com a presença de um público de festa popular num evento cultural era compartilhada por todos os que haviam sido chamados a Passo Fundo dos mais distantes rincões do país.
A verdade é que antes das Flips e Flops - festas literárias, festas midiáticas somente -, a Jornada de Passo Fundo interiorizou a inteligência e mostrou que nem todos os eventos literários se contentam em arrebanhar meia dúzia de gatos pingados.
Lourenço Cazarré
Entre todas as festas, feiras e celebrações literárias a que já compareci não apenas no Brasil, mas em muitos outros países, a que mais me emocionou e ainda emociona ao ser lembrada são as Jornadas Literárias de Passo Fundo. Nada pode ser comparado à participação integral da cidade, dos mais jovenzinhos a seus avós, numa festa de indescritível beleza e alegria, em que um nó na garganta e um olho lacrimoso frequentemente denunciaram a fé na humanidade que ela me devolvia. São trinta anos de uma vitória sempre renovada, em que as Jornadas Literárias de Passo Fundo marcam indelevelmente a história da nossa cultura.
João Ubaldo Ribeiro
Uma história de trinta anos não é uma história de trinta dias. Perseverança, confiança, determinação além da causa nobre, apaixonante, sedutora: fazer amar o que amável é, através dos véus que envolvem os discursos, as “palavras dobradas”. As Jornadas Literárias de Passo Fundo são acontecimentos, que irrompem fazendo sentido, provocando atenção e convidando a tomar a palavra.
Eliana Yunes
Quanto mais me aprofundo na ciência, mais me dou conta de que há o mistério, o inexplicável. Esta sintonia que encadeia certos acontecimentos, sem que possamos fazer uma ligação mais lógica entre eles. A minha participação foi na Jornada de 93. Viajei com a Martha Medeiros e com o Giba Assis Brasil. Ida? Tudo de bom. Estadia? Ótima. E, na volta, o patamar mantido e ampliado pela saudade. Sou como os colegas escritores, livreiro-viajante, de cidade em cidade, menos em busca de divulgar os livros do que de semear leitores, menos em busca de justificar nossa existência do que tentar um mundo melhor. A Jornada é como um ancestral presente. Há sempre um dedo dela em outras que frequento, sempre que posso, ao longo do ano. Ela pôde ser mãe ou pai e, como eu acho que leitores vêm de pai e mãe, ela realizou-se neste quesito. Pariu e pare leitores. E estava tudo escrito nos climas daquela ida, daquela estada, daquela volta.
Celso Gutfreind
É também evidente que, quando se escreve, escreve-se uma sociedade e procura-se inverter valores, no sentido de descobrir novos ângulos, novas relações de valores, portanto, criar uma perspectiva pessoal de uma expressão ou de um fenômeno coletivo. É evidente que isto se faz com desgastes, com agressões. É por isso que o escritor, como já escrevi, é um animal incômodo. É isso que faz dele um ser útil e social em sua incomodidade. Ele é também um insatisfeito com o projeto mais organizado ou aparentemente mais duradouro, procurando-lhe encontrar novas formas de contraste, de oposições. Às vezes penso que a primeira condição para escrever é saber gramática; a segunda, é esquecê-la. A primeira condição para interferir numa sociedade com escritor é olhá-la com atenção, seguir com maior empenho todos os seus esquemas mais lúcidos e mais organizados; a segunda condição é rasgá-los, é passar por cima deles e confiar num projeto pessoal, o qual é, muitas vezes, intuitivo.
José Pires Cardoso
O município de Passo Fundo vai se transformar na capital brasileira da literatura a partir de hoje, quando começa a V Jornada Nacional de Literatura, considerado o maior evento do gênero da América Latina. O encontro, que termina na sexta-feira, deverá reunir mais de 3 000 pessoas, entre professores, estudantes e escritores no ginásio da AABB. A abertura, às 15 h, prevê uma sessão solene e um debate com o poeta Affonso Romano de Sant’Anna, presidente da Fundação Biblioteca Nacional, e Eliana Yunes, do Proler.
Zero Hora 08/06/1993
E isto também é Passo Fundo. Colocar frente a frente autor e leitor. Porque escrever, como se sabe, é o mais solitário de todos os ofícios. Há pouco mais de um ano eu conversava com um amigo que havia abandonado o seu meio de trabalho – compor canções – para escrever um livro. E ele me dizia exatamente isso: como é profunda e desmesurada a solidão do escritor. Uma peça de teatro, dizia ele, você escreve, depois vem a etapa dos ensaios, que envolve muita gente, finalmente vem a montagem para o público. Uma canção você termina, mostra para a mulher, para os amigos, para os músicos, grava, ouve no rádio, canta nos palcos. Mas um livro...bem, um livro, você termina e deixa de acompanhar seu destino. Não se sabe como será a cara do leitor, se vai ler até o fim, se vai dobrá-lo e depois esquecê-lo num canto da casa, numa mesa qualquer, num banco de avião... Você vê o disco numa loja, mas ouve a canção no rádio. Você vê o livro numa vitrine e nunca mais saberá o que aconteceu com o que escreveu. Em Passo Fundo, não. Você vê rostos numa platéia imensa, e esses rostos perguntam coisas, tentam saber o que muitas vezes o próprio escritor desconhece. O leitor satisfaz parte de suas curiosidades. O autor volta para casa com esta experiência inusitada.
Muita gente se pergunta se este tipo de evento é estímulo para a leitura, se o contato é um estímulo para o leitor procurar mais livros, mais histórias. Creio que sim. Mas é, também, um estímulo para o escritor. Todos os meus colegas de ofício que passaram pelas Jornadas tiveram a mesma reação de espanto diante da platéia: é muita gente. Todos, ou quase, saíram de Passo Fundo levando na bagagem esta sensação cálida de terem podido ver o destino de seus livros.
Eric Nepomuceno
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