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Depoimento de autores


Do melhor e do pior

Cenas de um mesmo país: um que dá alegria e outro que dá vergonha.

Há um Brasil que a gente deve sentir vergonha de não conhecer. Imagine um circo de lona com 50 metros de diâmetro. No fundo, uma espécie de palco. Em volta, arquibancadas de dez degraus. No picadeiro, cadeiras sobre o chão de terra. Ocupando todos os espaços, quatro mil pessoas, na maioria jovens: rapazes e moças, muitas moças e que moças! São estudantes, mas há também muitos professores. Durante quatro dias, eles lotam o circo e aí permanecem de 14h30min até as 10h ou 11h da noite, com pequenos intervalos de folga.

O que leva essas pessoas a esse lugar? O que as mantêm tão atentas? O que as faz aplaudir com tanto entusiasmo? À primeira vista trata-se de um show, talvez de música, porque de vez em quando se ouvem gritos “gostoso”, “lindo” “tesão”. Se você não estiver preparado, vai custar a acreditar que aquelas pessoas se reúnem ali para ouvir falar de literatura. Isso mesmo: a atração dos espetáculos é a palavra – essa coisa fora de moda. Claro que houve também música, números de circo, porque ninguém é de ferro. Mas o prato principal foram as mesas-redondas, as exposições de idéias, os debates.

A cidade que promove esse inacreditável espetáculo- e eu imagino que poucos lugares no mundo seriam capazes disso – chama-se Passo Fundo, onde vivem cerca de 180 mil pessoas e que fica a quatro horas de ônibus de Porto Alegre. Quando fui participar da 8ª Jornada de Literatura, na semana passada, já tinha ouvido falar do evento, mas achava que havia um certo exagero nas descrições. Não era possível que fosse tão grandioso. Quando se referiam a “circo das letras” ou “circo cultural” acreditava que fosse evidentemente força de expressão.

Pois bem: tudo o que me disseram foi pouco diante do que vivi e senti.                                                                                                  Zuenir Ventura

 

A Jornada Literária de Passo Fundo, evento pioneiro no gênero no Brasil, exerce papel de fundamental importância na aproximação dos escritores com o público leitor. Num país com deficiência de bibliotecas e livrarias, encontros como os que se realizam a cada dois anos em Passo Fundo contribuem de modo decisivo para a difusão do hábito de leitura, seja pelos suportes tradicionais como o livro, seja pela incorporação das novas tecnologias da mídia eletrônica. O sucesso da iniciativa de um grupo de idealistas liderados pela professora Tania Rösing estimulou o surgimento de eventos semelhantes em vários pontos do país.

Também merece destaque o Prêmio Zaffari & Bourbon, incorporado às Jornadas a partir de 1999, e que representou uma revolução nas dotações de prêmios literários no Brasil. A expressiva quantia oferecida aos vencedores, num país em que poucos escritores conseguem retorno financeiro com direitos autorais, é sem dúvida um generoso reconhecimento ao esforço criativo. Quanto a mim, o prêmio de cem mil reais, recebido em 1999, acelerou meu projeto de dedicação exclusiva ao trabalho literário, de tal sorte que hoje, aos 68 anos de idade, se não vivo do que escrevo, tenho o privilégio de viver para escrever.   

                                                                                      Sinval Medina


Contei muitas vezes e em todas elas as pessoas se negavam a crer. Uma jornada literária no Brasil com uma plateia voraz de cinco mil pessoas? Altamente improvável, quase inacreditável para quem conhece a preocupante falta de apego dos brasileiros ao hábito da leitura. Um rosário de explicações costuma justificar essa triste tradição. Uma vez, em plena ditadura militar, estava na Argentina trabalhando como jornalista e me convidaram a visitar a Feira de Livros de Buenos Aires. Fiquei perplexo. Lembro-me de que um dos generais do triunvirato de ditadores, o almirante Emilio Massera - depois condenado por genocídio -, visitou a feira enquanto eu estava lá. Um ditador promovendo a leitura. Era notável: centenas de stands, muita gente interessada, censura muito pouco ativa. Realçava-se a tradição de um povo motivado por sua cultura. Nas famosas livrarias das avenidas Santa Fé e Corrientes, a incrível El Gran Ateneo, a Gandhi, a Liberarte, o cliente perguntava se tinha um livro e os atendentes, atilados leitores, faziam uma breve sinopse e avaliavam a qualidade. Ao revés, certa vez entrei num grande sebo no centro do Rio de Janeiro e perguntei por um livro. "Não temos", disse um pouco solícito atendente. Dias depois, a história repetiu-se. Na terceira vez, desconfiado, olhei um livro numa prateleira e perguntei ao mesmo desinteressado vendedor se o tinha. Ele repetiu: "Não temos". Pulei na carótida dele: "Tem sim, malandrão, está ali." E fui dedurá-lo ao gerente. A comparação era dolorosa, até o dia em que compareci à Jornada de Passo Fundo, participando de uma mesa gloriosa, com Zuenir Ventura, Domingos Meirelles, Alcione Araújo e Gilberto Dimenstein. Falamos daquele dia até hoje, quando nos encontramos. A Jornada de Passo Fundo reabilita o Brasil. É uma instituição gloriosa, que deveria se repetir por mil cidades, país afora.

                                                                                Carlos Marchi 

 

É de comemorar o aniversário da Jornada, que, aos trinta anos, tornou-se personagem de Balzac! Pioneira, revelou-se a mais duradoura e eficiente estratégia de formação de leitores e reaproximação da educação e cultura. É justa e merecida sua repercussão nacional e internacional. Deve ser motivo de orgulho para a Universidade de Passo Fundo e a cidade de Passo Fundo. Num projeto bem pensado e bem realizado, ninguém perde. Por isso, nós todos, escritores, convidados, realizadores, professores e cidadãos devemos comemorar os trinta anos da Jornada Nacional de Literatura de Passo Fundo.

Nesses anos em que tenho participado dos debates, é cada vez maior a emoção de ver, do palco, o vivo interesse da vasta plateia do Circo da Cultura,  na sua terceira geração, pela diversidade dos temas abordados. Além da discussão com grande número de escritores e poetas, brasileiros e estrangeiros, debatemos com filósofos, teólogos, antropólogos, sociólogos, museólogos, críticos, historiadores da arte e da cultura, psicólogos, psicanalistas, educadores, editores, compositores, instrumentistas, cantores, atores, dramaturgos, diretores de teatro, roteiristas e diretores de cinema, roteiristas e diretores de televisão, jornalistas, especialistas em world, wide, web, cyberspaces, etc.

É de comemorar que a Jornada tenha sobrevivido aos dilúvios que costumam afundar  bons projetos neste país! Na euforia do sonho realizado, os organizadores ocultam o sangue, suor e lágrimas deixados em antessalas, longas reuniões, minuciosos relatórios, extensas justificativas e exaustivas prestações de contas, após incontáveis viagens para amealhar fundos, e inevitáveis filas de aeroportos, aviões lotados e frios quartos de hotel. Sem a obstinação de visionários, não há Jornada. E, apagadas as luzes desta edição, começa o périplo de 2013. Mas, como diz o poeta, tudo vale a pena se a alma não é pequena.

                                                                                      Alcione Araújo


As Jornadas Literárias de Passo Fundo estão na origem de um fenómeno extraordinário - a descoberta do livro, no Brasil, enquanto motivo de festa. Não são outra coisa os festivais de literatura senão a celebração alegre da leitura. Esta perspectiva vem contribuindo, e muito, para aumentar o número de leitores num país onde até há pouco tempo o livro era encarado mais como obrigação do que como fonte de prazer. Em termos pessoais, Passo Fundo trouxe-me muitas boas surpresas e permitiu-me conhecer amigos para a vida. Os amigos, na verdade, são o melhor que os livros me deram. Obrigado, Passo Fundo.

                                                                                José Eduardo Agualusa


Como pesquisador francês da Universidade Cergy-Pontoise, tive a oportunidade de participar diversas vezes das Jornadas Literárias de Passo Fundo. A cada vez, o encontro com autores brasileiros e da literatura para a juventude tem representado para mim um acontecimento cultural inesquecível, tanto pela qualidade, pela vivacidade, pela atualidade dos debates como pelo entusiasmo dos participantes e organizadores. Em todos os aspectos, esta manifestação inscreve-se numa política de leitura e de formação exemplar devido ao trabalho de preparação que o precede e de ações que o prolongam durante os dois anos que separam cada Jornada.

Então, bravo à Tania Rösing e a toda sua equipe e vida longa às Jornadas!

                                                                                                            Max Butlen